A cantora Rita Lee morreu aos 75 anos, no fim da noite desta segunda-feira, 8, em casa. O velório, aberto ao público, será nesta quarta-feira, 10, das 10h às 17h, no Planetário, no Parque do Ibirapuera. O corpo da cantora será cremado em uma cerimônia restrita à família.
Dias depois, o Estadão revelou que Rita já estava escrevendo um livro >sobre os dias em que havia lutado contra a doença ao lado de Roberto. Ela começou a fazer anotações antes mesmo de saber do diagnóstico que apontava a remissão. Entre a descoberta da doença e a melhora, havia passado um ano, 30 sessões de radioterapia, e, em seguida, outras mais de quimioterapia
>tumultuado por uma truculenta ação policial. E vieram ainda mais dois, um em Brasília e outro no Centro de São Paulo.
Quem foi Rita Lee
Rita Lee Jones de Carvalho era capricorniana (signos lhe valiam mais do que religião) de 31 de dezembro de 1947. Cantora, compositora, atriz e mais tardiamente escritora, ela tinha ascendência norte-americana e italiana.
A chamada “Rainha do Rock” chegou a vender algo como 55 milhões de discos, ficando atrás apenas de >Roberto de Carvalho. Com isso, abriu três frentes distintas e poderosas de público, não necessariamente complementares. Há os fãs da Rita seminal dos Mutantes, os fãs da Rita rock raiz e os fãs da Rita de Roberto. E há os fãs de todas as Ritas.
A Rita persona extra artística também ganhou respeito e admiração por sua coerência entre o que cantava, o que dizia e o que fazia. Outsider por força da doença nos últimos anos, mas também por uma postura muito anterior a ela, anti mídia, cedendo entrevistas apenas por e-mail e avessa a exposições descabidas, trazia nas canções seu pensamento ácido, crítico, inconformado e sagaz. Para saber o que ela pensava, no amor e fora dele, basta ouvir canções como Ovelha Negra, Mania de Você, Lança Perfume, Agora Só Falta Você, Baila Comigo, Banho de Espuma, Desculpe o Auê, Amor e Sexo, Reza, Menino Bonito, Flagra ou Doce Vampiro, entre muitas outras que se tornaram temas de novela, comerciais e hits de rádio FM.
Pedrada no pesado
Sua autobiografia lançada em 2016, pela editora Globo, foi uma pedrada no próprio passado. Dona de uma escrita habilidosa, protegida de possíveis processos pelo verniz do sarcasmo, Rita destruiu desafetos como se usasse sua estrondosa voz impressa para, tantos anos depois, vingar-se. Ao abrirmos aleatoriamente a página 127, vejamos: “O clube do Bolinha afirmava que, para fazer rock, precisava ter culhão, e eu queria provar a mim mesma que rock também se fazia com útero, ovário e sem sotaques feministas clichê”. Em uma frase, destruiu os roqueiros cueca dos anos 1970 e as feministas de engajamento de ocasião de todos os tempos. Outra página, desta vez a 69: “Eu praticamente era da família e aos poucos fui me adaptar ao fato de que se tratava de uma gente arrogante, pero generosa; palmeirense, pero não roxa; riquinha, pero pouco asseada. Avançavam na comida antes de chegar à mesa, falavam alto de boca cheia e, para meu completo nojo, bebiam no gargalo da mesma garrafa de Cola-Cola passada de mão em mão.” Ela se referia à família dos irmãos Sérgio Dias e Arnaldo Baptista. Se virou processo, ninguém ficou sabendo.
Fica irresistível então não retornar ao final de suas memórias, agora que Rita se faz uma ideia indestrutível de mulher. Assim saíram algumas de suas últimas palavras escritas abaixo do intertítulo Profecia: “Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta. Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá, colegas dirão que eu farei falta no mundo da música, quem sabe até deem meu nome para uma rua sem saída. Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão Ovelha Negra, as TVs já devem ter na manga um resumo da minha trajetória para exibir no telejornal do dia e uma notinha no obituário de algumas revistas há de sair. Nas redes virtuais, alguns dirão: ‘Ué, pensei que a veia já tivesse morrido, kkkk’. Nenhum político se atreverá a comparecer a meu velório, uma vez que nunca compareci ao palanque de nenhum deles e me levantaria do caixão para vaiá-los. Enquanto isso, estarei eu de alma presente no céu tocando autoharp e cantando para Deus: ‘Thank you Lord, finally sedated’ (‘obrigada Senhor, finalmente sedada’). Epitáfio: “Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa.”
Fonte: Estadão