Devolver a fala a pessoas que a perderam é uma meta cada vez mais factível, graças aos avanços realizados com implantes cerebrais, é o que mostram duas experiências divulgadas na revista Nature nesta quarta-feira (23).
Pat Bennet, de 68 anos, era uma executiva dinâmica e com um estilo de vida saudável e com prática de esportes. Mas há dez 10 anos a diagnosticaram com a doença de Charcot, um transtorno neurodegenerativo que vai privando o paciente dos seus movimentos aos poucos, até lhe provocar uma paralisia completa.
Em seu caso, essa doença se traduziu inicialmente em uma dificuldade para se expressar, até perder a capacidade de falar.
Pesquisadores do departamento de neurocirurgia da universidade americana de Stanford lhe introduziram, em março de 2022, quatro pequenos chips com 64 microeletrodos, fabricados com silicone.
Embutidos em 1,5 milímetro no córtex cerebral, esses chips registram os sinais elétricos produzidos pelas partes do cérebro dedicadas à linguagem.
Esses sinais são levados para fora do cérebro por um conjunto de cabos e analisados por um algoritmo, que nos últimos quatro meses “aprendeu” a interpretar seu sentido.
Ou seja, o algoritmo associa os sinais a fonemas e assim forma palavras, com a ajuda de um modelo de linguagem.
“Agora podemos imaginar que no futuro será possível restabelecer uma conversa fluida em uma pessoa que sofra uma paralisia” de linguagem, assegurou em uma coletiva de imprensa Frank Wilett, professor em Stanford e coautor do estudo.
Graças a este dispositivo tecnológico, Bennet fala por meio de uma tela a um ritmo de mais de 60 palavras por minuto.
Isso representa uma capacidade de fala inferior às 150 ou 200 palavras por minuto de uma pessoa que não sofre de paralisia, mas se trata de um ritmo três vezes superior ao conseguido por uma pessoa com paralisia de linguagem em 2021, em outra experiência científica realizada pelo mesmo laboratório.
Sua porcentagem de erro em um vocabulário de 50 palavras é de 10%, enquanto antes era de mais de 20%.
Voz artificial
O segundo avanço, descrito na Nature, foi realizado pela equipe de Edward Chang na universidade da Califórnia.
Seu dispositivo se baseia em um grupo de eletrodos instalados no córtex cerebral.
Sua eficácia é comparável à do estudo de Stanford, com uma média de 78 palavras por minuto.
Representou um avanço enorme para a paciente em que os eletrodos foram instalados. Após ter sofrido uma paraplegia devido a uma hemorragia cerebral, até agora sua capacidade de fala era de 14 palavras por minuto, com a ajuda de uma técnica que seguia os movimentos da cabeça.
Uma das especificações do dispositivo do laboratório californiano é que ele não só analisa os sinais elétricos da parte do cérebro dedicada à linguagem, mas também os movimentos dos lábios, da língua e dos outros músculos faciais que produzem os sons.
“Há entre cinco e seis anos que começamos a entender as redes elétricas que regem os movimentos dos lábios, da mandíbula e da língua e que nos permitem produzir os sons específicos de cada consoante, vogal e palavra”, explica o professor Chang.
A interface entre o cérebro e o dispositivo desse laboratório não apenas produz linguagem em forma de texto em uma tela, mas também com uma voz artificial e um avatar que reproduz as expressões faciais do paciente quando ele se expressa.
Agora, o laboratório da universidade da Califórnia espera desenvolver uma versão sem fios do mesmo mecanismo.
Isso teria “consequências profundas para a independência e para as interações sociais” do paciente, destaca David Moses, coautor do estudo e professor de neurocirurgia na universidade de São Francisco.
G1