Pesquisa revela que fungo híbrido ameaça pacientes em estado grave

Muitas vezes subestimados, os fungos são fundamentais para a vida na Terra, atuando em processos ecológicos e industriais e, ocasionalmente, afetando a saúde humana. Um estudo publicado na Nature Communications revelou que o fungo híbrido patogênico Aspergillus latus representa uma ameaça significativa, especialmente para pacientes com covid-19 internados em UTIs, que estão em alto risco de coinfecção. Embora amplamente presentes no ambiente e, por isso, difíceis de identificar, esses fungos exigem diagnóstico preciso. A falta de identificação adequada compromete os tratamentos, prejudica a recuperação e aumenta o risco de mortalidade.

Em indivíduos saudáveis, o sistema imunológico consegue evitar infecções por Aspergillus. No entanto, em casos de imunossupressão, o organismo pode desenvolver uma condição chamada Aspergilose Pulmonar Invasiva. Essa infecção também pode acometer pacientes com covid-19, sob o termo Aspergilose Pulmonar Associada à covid-19 (CAPA). A enfermidade agrava o quadro clínico e eleva o risco de morte, como aconteceu no caso do humorista brasileiro Paulo Gustavo, vítima da CAPA.

Embora a descoberta de fungos híbridos não seja inédita, o diferencial deste estudo foi identificar que esses organismos podem causar doenças em humanos. A pesquisa foi conduzida por cientistas da USP-Ribeirão Preto, da Vanderbilt University (EUA), da University of California (EUA), e contou com colaboradores da China, França, Alemanha, Bélgica e Espanha. Entre os pesquisadores, está o professor Rafael Bastos, do Departamento de Microbiologia e Parasitologia (DMP) e do Programa de Pós-graduação em Biologia Parasitária (PPGBP/UFRN), ambos vinculados ao Centro de Biociências (CB/UFRN).

O Aspergillus latus representa um risco não apenas para pacientes com covid-19, mas também para indivíduos com asma, fibrose cística, e aqueles em tratamento de quimioterapia ou radioterapia. “Nosso estudo mostra que ele é diagnosticado incorretamente, pois as técnicas laboratoriais atuais não conseguem identificá-lo com precisão. Além disso, A. latus é mais resistente a certos antifúngicos, o que pode levar a tratamentos inadequados”, afirma Bastos, que também participou da descrição do Aspergillus latus em 2020.

O professor explica que a descoberta do fungo híbrido ocorreu por acaso. Durante seu pós-doutorado na USP, ele se interessou em estudar o Aspergillus nidulans, um organismo ambiental que raramente causa doenças em humanos. “Entramos em contato com pesquisadores internacionais que relataram infecções por A. nidulans e pedimos amostras para análise genética e de resistência a antifúngicos. Recebemos 10 amostras, das quais seis não eram A. nidulans”, detalha.

Esses organismos apresentavam o dobro de DNA em relação às espécies típicas do gênero, incluindo o A. nidulans. “Concluímos que essas seis amostras pertenciam a uma espécie distinta, o A. latus”, relembra Bastos.

O Aspergillus latus chamou atenção por possuir o dobro de cromossomos e DNA em comparação com outros fungos do gênero. A equipe descobriu que ele é híbrido, originado do cruzamento de duas espécies de Aspergillus diferentes. Embora cruzamentos sejam comuns, a natureza geralmente impede a viabilidade desses híbridos, mas A. latus permaneceu estável, com origem datada de 13 milhões de anos.

O esquema acima apresenta como se deu a origem do Aspergillus latus. O processo se inicia quando duas espécies de Aspergillus, A. spinulosporus e um parente próximo do A. quadrilineatus, fundem suas hifas, ou seja, suas unidades estruturais, durante o processo de reprodução. Após esta etapa acontece a ligação entre os núcleos, originando assim o fungo híbrido A. latus.

Para Rafael Bastos, divulgar descobertas como essa é essencial para a área científica, aproximando os resultados da comunidade acadêmica. Ele acredita que esses estudos devem mostrar aos estudantes da UFRN e de outras instituições que a ciência está em constante desenvolvimento, próxima do cotidiano e acessível.

Portal da UFRN

 

TRIBUNA DO NORTE

Foto: Reprodução UFRN

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