A obra para a engorda da Praia de Ponta Negra é apontada como solução para conter os efeitos do avanço do mar e também da erosão marítima que atinge o principal cartão postal da cidade, o Morro do Careca. Apesar da necessidade da obra ser praticamente consenso entre especialistas, chamam atenção pontos contraditórios dentro do relatório ao qual o Diário do RN teve acesso, um documento de 1257 páginas.
O EIA/RIMA – Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, contratado pela Prefeitura do Natal em 18 de dezembro de 2018, conforme publicação em Diário Oficial do Município, no valor de R$ 1.330.250,00, teve como contratada a TETRA TECH Engenharia e Consultoria Ltda, tendo como representante legal da empresa o engenheiro, Eduardo Ayres Yassuda. Foi este estudo, produzido em 2018, que a Prefeitura apresentou em 25 de agosto de 2022 ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (Idema).
Durante assinatura da Ordem de Serviço para as obras na proteção costeira da Praia de Ponta Negra, no dia 11 de outubro de 2022, o prefeito Álvaro Dias, afirmou aos veículos de comunicação presentes que: “a obra é fundamental porque ela vai aumentar a praia em 50m na maré cheia e 100m na maré seca, deixando a água mais distante do calçadão, evitando as destruições que ocorrem comumente naquele local”.
De lá pra cá, a informação foi reforçada em diversos momentos também por seus secretários em entrevistas concedidas em veículos de comunicação, inclusive ao Diário do RN, em matérias veiculadas no dia 20 de junho e no dia 29 de junho com o secretário de Meio Ambiente e Urbanismo de Natal, Thiago Mesquita e que nesta quarta-feira (05), em resposta a nossa equipe de reportagem confirmou a informação acerca da faixa de areia: “No mínimo 50 metros na maré alta e no mínimo 100 metros na maré baixa”.
O problema é que os números divulgados pelo Prefeito Álvaro Dias e seus secretários não são os mesmos relatados no documento entregue ao Idema. Um dos trechos do estudo produzido pela empresa TETRA TECH Engenharia e Consultoria Ltda, afirma: “Na recuperação da praia da Ponta Negra, a principal obra a ser realizada é o engordamento da faixa de berma, com 38 m de praia. A solução proposta recomenda como especificação, a utilização de obras complementares como as obras de drenagem pluvial, sendo estas ações fundamentais para o sucesso da alternativa selecionada”, conforme exposto nas páginas 42, 51 e 52 do estudo.
Ainda em outro ponto apresentado pelo relatório, a faixa de areia seria ainda menor em outros períodos de acordo com as variáveis meteorológicas sendo estabelecido entre 10 e 23 metros: “Nota-se que a longo prazo será verificado processo de recuo da linha de costa para uma nova posição de equilíbrio, contudo será contemplado uma faixa permanente de areia não recoberta pela maré entre 10m e 23m de largura”, localizado na página 1098. Informação que se repete na conclusão do estudo, na página 1205.
“O soterramento da fauna será um impacto irreversível”
O documento ainda traz informações importantes e de questionamentos relevantes acerca dos impactos ambientais negativos gerados pela obra, no que é relevante a fauna marinha e terrestre, como também por consequência a atividade pesqueira desenvolvida na localidade.
Em fragmento do projeto apresentado, no item que se refere a “Alteração e Redução da Abundância e Diversidade da Fauna Terrestre”, na página 1058, a empresa faz uma avaliação “negativa e irreversível” para a fauna: “diante do exposto, este potencial impacto de redução e de alteração da abundância e da diversidade da fauna terrestre do ambiente praial foi classificado como de natureza negativa e de ocorrência certa; de incidência direta; de duração permanente, visto por exemplo que a perda de habitat e o soterramento da fauna será um impacto irreversível; de temporalidade imediata, uma vez que as obras promoverão o soterramento concomitante desta fauna; irreversível; e não mitigável”.
Além disso, em outro trecho avaliando na perspectiva dos ruídos, de vibrações e de poeira, relatados na página 1060, afirma que também gerarão impactos negativos para a fauna terrestre: “Sob o estímulo do incremento de ruído, muitas espécies tendem a alterar a atividade acústica ou mesmo se deslocar em busca de ambientes sob menor influência deste. […] O impacto da perturbação e do afugentamento da fauna terrestre é considerado de natureza negativa, pois promove alterações deletérias na comunidade animal. Sua incidência é direta, uma vez que deriva da perda de habitat para a fauna e do incremento dos níveis de ruído e vibração”.
Quanto aos estudos na “Interferências na Dinâmica de Cetáceos e Quelônios”, presentes na página 1070, o Diário do RN viu que a pesquisa afirma que durante o período de implantação essas espécies devem sofrer com o aumento dos ruídos no meio aquático: “as atividades de dragagem promoverão aumentos nos níveis de ruídos subaquáticos e de movimentação de água, o que poderá perturbar e estimular o afugentamento temporário da fauna de cetáceos e quelônios que fazem algum tipo de uso das áreas de influência”.
A partir da página 1087, o estudo apresenta uma das principais consequências diretas do afugentamento das espécies marítimas e impactos no meio biótico da praia, que é para a atividade pesqueira, pois será afetada em todas as fases da obra: “No período que a atividade de alimentação praial for realizada nesse trecho, ali serão inviabilizadas as atividades de pesca de jangada e de arrasto, devido ao seu isolamento. ”
Diante disto, os pesquisadores consideraram que este impacto também é de natureza negativa em decorrência da obra: “impacto de natureza negativa, de incidência direta, duração temporária, cessando com o fim da restrição de acesso ao segmento de pesca da praia. Sua temporalidade é imediata, a depender do segmento de intervenção. A abrangência é local. Trata-se de impacto reversível, provável, não cumulativo e não sinérgico com os impactos gerados pelas obras do muro de contenção, de alta magnitude e alta relevância e mitigável”, contudo, apesar de ser considerado um problema reversível o projeto não apresenta soluções e maneiras sobre como será a sobrevivência dos pescadores daquela região, nem como o meio ambiente deverá ser reparado diante dos impactos negativos causados por uma obra de tamanha magnitude.
Apesar de todas as fragilidades relatadas ao longo das 1257 páginas (sendo 51 de referências bibliográficas) e diante dos inúmeros impactos negativos, inclusive irreversíveis, o documento conclui que “considerando, da forma como foi concebido, o projeto proposto é ambientalmente viável”.
Diário do RN